Com os “ismos” o parlamento manda: câmara ou camará?

Por André Lemos*

O mais recente e relevante episódio até o presente momento na câmara federal, em pleno primeiro estágio do governo Bolsonaro, é a correlação de forças para a disputa da presidência. Muito já foi refletido sobre a necessidade de que frente a este governo de ultra direita só a atuação ampla em bloco de oposição no parlamento e a frente de partidos e movimentos sociais nas ruas e redes, é que podem angariar alternativa de avanço para os setores progressistas e populares.

Acontece que os, “ismos”, utilizado aqui para classificar três vícios políticos, o exclusivismo, o hegemonismo e o pragmatismo exacerbado, presentes na esquerda, que no atual contexto são os “protagonistas” e não os “coadjuvantes”. Tais “ismos”, em trajetória, realçaram (ainda em tempo de se consertar) a fragmentação da possibilidade de um bloco centrista ou centro-esquerda que confrontasse com bases reais a chapa ou candidato do governo. Onde o ápice é o indicativo da base parlamentar do PCdoB em apoiar o candidato do governo, Rodrigo Maia (DEM), com o argumento da busca por resgate da democracia afim de que se consagre o regimento interno da casa, confronte as restrições negativas da reforma política/17 e iniba o despotismo em vista do diálogo. Não necessariamente consagrando um bloco com os partidos da base do governo como o PSL.

Essa ação é considerada por alguns formuladores de opinião e de políticas uma negligência frente à possibilidade e a alternativa de frente ampla, e por outro lado, dando argumentos para setor exclusivista continuar narcisicamente olhando para si próprio. E, neste sentido, cabe mais uma paródia, dentre os “ismos” citados não é constatado o “esquerdismo” porque não é latente embora o governo reacionário preze por sempre citá-lo e generalizá-lo, sendo endossados ironicamente por formadores de opinião do campo progressista, ou seja, “neste angu o que não falta é caroço”. Isto sem falar em contas precipitadas em se usando aritmética para a política ou relutâncias por mágoas do passado para se consagrar unidade no presente. Por isto mesmo o campo da esquerda haverá de pensar melhor sobre os “ismos”.
As mais recentes teorias sobre a democracia no século 21 expõem uma série de fissuras, crises generalizadas no campo legislativo e constitucional do Estado de Direito, e com isto entre outros fatores na restrição da participação efetiva do povo nos processos decisórios, numa mistura de negligência com manipulação. Não obstante se produz teses e mais teses de como reconstituir a democracia e a sociedade em outro panorama, em que é mais que necessário compreender o obstáculo da judicialização da macropolítica, formatado numa era de capitalismo-financeirizado, neoliberal, da discutida crise do capitalismo, ou seja, inclui-se aí o Estado de Direito. Assim, o mundo girou mas não está dado o fim da história, as contradições sociais são latentes em um ritmo acelerado de concentração de renda, com as superestruturas financeiras conectadas e em disputa.

Para a América Latina que vive a experiência do retrocesso no âmbito da integração, de golpes institucionais e ameaças de conflitos de fronteiras é a conjuntura ideal para a neocolonização formal e passiva. Já para o povo a fé na democracia é quase nula a enxergam de forma desigual e historicamente fragmentada, o que reforça a desconfiança nas instituições. O maior exemplo é um governante despótico “messiânico” que tem desprezo pelo povo, ser louvado e eleito com fragor, ao ponto de sublevarem gestos agressivos múltiplos aos seus opositores. Porém, dialeticamente e a história mostra empiricamente que é no pensamento social do povo a surtir os primeiros efeitos das restrições dos direitos civis, humanos e sociais. Mesmo que o governo administre via efeito de expectativa de melhora, a indignação na sociedade surge espontaneamente e muitas vezes sem direção.

Neste sentido, ainda que os entes institucionais sejam, ou deveriam, ser separados segundo a literatura especializada, na câmara federal o debate político é de âmbito geral por estar diretamente atrelado ao voto e, portanto ao povo, tudo que se diz de Nação e seus direitos passa pela assembleia legislativa. A grandeza deste aspecto não permite a pequenez do endossamento dos “ismos”, não se luta nas ruas e nas redes com tanta energia para a diminuição do debate político no parlamento, setor onde se deve aguçar o debate e repercutir institucionalmente os anseios da luta política.

Outro aspecto salutar nesta disputa é o Rio de Janeiro. Ele está no topo da correlação representativa na câmara, vis a vis, Maia, PSL sob o comando do clã Bolsonaro e a candidatura (exclusivismo) do Freixo. Tudo que se fala em autenticidade e rompimento da bolha como linha estratégica para a esquerda e centro-esquerda são restringidos por não ser formulado ou concretizado um bloco com reais condições de fazer oposição ao governo no parlamento, fato mais do que evidente por não alçar maioria e, depois disso é formular retórica em cima de retórica enquanto a pauta do retrocesso passa sem maiores impedimentos.  Com estes, muitos outros elementos da disputa no âmbito nacional.

Na matéria do Jornal do Brasil, de 18 de janeiro/19, demonstra que existe uma nova movimentação política para se gerar uma candidatura de oposição ao governo, transparecendo um discurso de maior equilíbrio (através da divergência) nos poderes executivo e legislativo e que tem condições de vencer. O primeiro passo é formatação de uma carta compromisso, em que se existindo o segundo turno, os parlamentares que assinarem a carta votem no candidato de oposição ao governo. 

A conclusão é que alçar o centro político não é demérito nenhum, reflete a média do pensamento da população, a oposição só pode ser efetiva se diminuir os danos do Estado de Exceção, mas que aponte entradas que resgate o que vem se perdendo nos últimos anos em termos de democracia, de acessos aos entes públicos, políticos e sociais. Dos camaradas se espera serenidade em acharem caminhos e coragem na política institucional para que transcendam o “ismo”.

*André Lemos é Cientista Social, formiga e editor do blog Formigueiro - Mídia Coletiva.

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